Pedro Hamilton
Advogado. Graduado em Direito pela UERN.
No julgamento do RE 1.235.340 (Tema 1.068), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, que a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da pena imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada. A tese se fundamenta na premissa de que, uma vez reconhecida a culpa pelo Júri, não há necessidade de aguardar o trânsito em julgado para iniciar a execução da pena, mesmo que o condenado ainda possa recorrer da decisão. Entretanto, nem tudo está perdido! Apesar de autorizar a execução imediada da pena, a decisão do STF não obriga necessariamente que o acusado seja preso logo após a condenação pelo Júri Popular. Entendo haver espaço para, no caso concreto, possibilitar ao réu recorrer da sentença em liberdade. Este texto buscará analisar o entendimento adotado pelo STF, expondo sua contrariedade ao princípio constitucional da presunção de inocência, e a sua inadequação frente a uma lógica mais garantista da persecução penal.
A interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal viola o princípio da presunção de inocência, que deve ser compreendido como um sobreprincípio do Direito Processual Criminal, orientando todas as fases da persecução penal. A presunção de inocência não é apenas uma garantia do acusado de ser tratado como inocente, mas sim um pilar que assegura o equilíbrio e a justiça do processo penal. Esse sobreprincípio impõe que a privação de liberdade somente ocorra após um juízo de certeza sobre a culpa dos acusados, refletida no esgotamento dos recursos, evitando que o Estado exerça seu poder punitivo de forma precipitada e injusta.
A Constituição de 1988 é clara ao definir que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. No caso em apreço, a decisão proferida pelo corpo de jurados não implica no trânsito em julgado da sentença. Em que pese serem soberanas as decisões do Tribunal do Júri, ainda cabe ao réu se defender de inúmeras maneiras em sede recursal. O acusado condenado pelo júri popular pode, entre outras situações:
sustentar que o julgamento foi manifestadamente contrário à prova dos autos;
arguir nulidade no processo posterior à pronúncia;
requerer a diminuição da pena e, por conseguinte, a alteração do regime inicial de cumprimento, nas hipóteses de erro na dosimetria da pena;
a exclusão de alguma agravante ou qualificadora incompatível com o caso concreto;
demonstrar contrariedade na sentença à lei expressa ou à decisão dos jurados.
Em suma, a condenação pelo Tribunal do Júri não impede que a sentença seja reformada por meio de recurso. A decisão do STF ao permitir a execução imediata da pena após a condenação pelo Tribunal do Júri subverte essa lógica constitucional, ao tratar uma sentença ainda sujeita a revisão como se fosse definitiva. Ao permitir que a pena seja cumprida antes do esgotamento das vias recursais e do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o STF cria um regime de exceção dentro do sistema penal, incompatível com a presunção de inocência – artigo 5º, LVII da Constituição Federal.
Além disso, a tese adotada pelo STF também afronta os princípios da proporcionalidade e da isonomia, criando um regime diferenciado e mais severo para os condenados pelo Tribunal do Júri em comparação aos demais réus condenados por juízes togados, que têm o direito de aguardar o trânsito em julgado para o início da execução da pena. Essa diferenciação não se justifica, pois o direito penal brasileiro deve assegurar um tratamento igualitário e proporcional a todos os acusados, independentemente do órgão julgador.
Contudo, a decisão do STF apenas autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, permitindo ao acusado pleitear, no caso concreto, o direito de recorrer em liberdade, passando ao cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado da sentença.
Portanto, a tese do RE 1.235.340, ao afastar a presunção de inocência, prioriza um viés punitivista em detrimento das garantias processuais constitucionais, contrariando a estrutura garantista que deveria orientar o sistema de justiça criminal brasileiro, mas não exclui por completo a possibilidade do acusado recorrer da condenação em liberdade.
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