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Olavo Hamilton
Advogado, Doutor em Direito - Universidade de Brasília (UnB), Conselheiro Federal da OAB (2019-2025), Professor e Escritor.
A história talvez registre Jorge Mario Bergoglio não apenas como o primeiro Papa latino-americano, mas como um dos poucos Pontífices que ousaram pensar além dos muros do Vaticano — e, quase sempre, apesar deles. Francisco é, mais que pastor, um Político com "P" maiúsculo: entendeu que a política, como disse Bismarck, é a "arte do possível" — e que soube atuar com coragem, sem perder o senso da realidade institucional.

Ao assumir o papado em 2013, vindo "do fim do mundo", como ele mesmo disse, Francisco trouxe consigo o peso das periferias globais, das favelas de Buenos Aires, da experiência pastoral nas margens sociais e existenciais. E foi a partir dessas margens que lançou as críticas mais contundentes ao centro do poder econômico, à cultura do descarte e à desigualdade planetária - o que lhe rendeu, dentro e fora da Cúria, a alcunha nada elogiosa de "Papa Comunista". O certo é que seu pontificado foi, em muitos sentidos, uma voz contra a indiferença.
Os avanços: uma "Igreja em saída", mais próxima dos pobres
Francisco conseguiu arejar o discurso e a prática da Igreja em diversos campos:
Ecologia integral: com a encíclica Laudato Si’ (2015), tornou-se uma das principais vozes globais em defesa do meio ambiente, denunciando a destruição da “Casa Comum” e a lógica extrativista do capital.
Pobres no centro: revalorizou a opção preferencial pelos pobres, propondo uma Igreja “em saída”, missionária, menos preocupada com estruturas e mais com presença.
Reformas institucionais: promoveu mudanças significativas na Cúria Romana e incentivou práticas de transparência financeira, enfrentando resistências internas históricas.
Diálogo inter-religioso e acolhimento: demonstrou abertura ao diálogo com outras religiões e com não crentes. Defendeu migrantes, refugiados e marginalizados, confrontando políticas nacionalistas e xenófobas.
Moral sexual com mais misericórdia: ainda que sem alterar a doutrina, adotou um tom menos condenatório em relação a temas como homossexualidade, divórcio e convivência antes do matrimônio, abrindo espaço para a escuta e a compaixão.
As resistências e os limites: o possível diante do impossível
Mas Francisco também encontrou os limites do que é possível — mesmo com toda sua autoridade papal. Alguns pontos revelam isso:
Ordenação de mulheres: apesar de pressões de diversos setores, especialmente da América Latina e Europa, Francisco manteve a negativa quanto à ordenação feminina, restringindo-se a criar comissões de estudo e admitir a possibilidade do diaconato feminino.
Celibato clerical: a expectativa de mudanças, especialmente com o Sínodo da Amazônia, foi frustrada. A ordenação de homens casados permaneceu um tabu.
Questões de gênero e LGBTQIA+: embora tenha dito “quem sou eu para julgar?” sobre pessoas homossexuais e promovido acolhimento pastoral, Francisco não avançou na aceitação plena dessas identidades nos sacramentos ou na doutrina moral da Igreja.
Reforma real da Cúria e do poder clerical: apesar de avanços administrativos, o peso do clericalismo e das resistências internas ao Vaticano permanece significativo. Reformar a estrutura de poder da Igreja é, talvez, o mais difícil dos combates.
Revolucionário ou Semeador?
Francisco não foi um revolucionário no sentido clássico. Ele foi algo mais complexo e, talvez, mais duradouro: um reformista paciente, que compreendeu que, na Igreja, cada gesto simbólico pode conter o germe de uma mudança profunda. É pouco para quem desejava tudo? Talvez. Mas é muito, para quem sabe como funcionam os corredores de Roma.
Seu legado não está apenas nas reformas que implementou, mas na mentalidade que inaugurou: uma Igreja que escuta, caminha junto e se inquieta diante da dor do mundo. Um Papa político, no melhor e mais nobre dos sentidos.
Francisco foi um semeador. Se suas ideias darão frutos, o tempo dirá. A chave para enterder o futuro da Igreja está em Mateus, capítulo 13. Temo que Francisco tenha semeado suas ideias no "meio de pedras" sem terra para criar raízes e que sequem aos primeiros raios de Sol (versículos 5 e 6), mas torço que o Vaticano seja como "terra boa" (versículo 8) e que o legado de Francisco avance exponencialmente. Amém.