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Publicações

Olavo Hamilton

Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Conselheiro Federal da OAB, Professor e Escritor.


A proposta de desmilitarização da polícia e, especificamente, a extinção da Polícia Militar, é um tema de intenso debate no Brasil, com argumentos que apontam para um modelo de segurança pública mais eficiente, democrático e atento aos direitos humanos. O atual modelo de policiamento militarizado é inadequado para o contexto metropolitano, contribui para a violência policial e se mostra ineficaz no combate à criminalidade. A mudança para uma polícia de caráter civil, com foco na mediação de conflitos e na proximidade com a comunidade, poderia melhorar a confiança pública e diminuir os altos índices de letalidade que atualmente marcam a atuação da PM.



O modelo de polícia militar no Brasil possui raízes históricas que remontam ao período colonial e à ditadura militar, quando foi concebido com uma finalidade eminentemente repressiva. Esse legado autoritário reflete-se em práticas violentas que tratam parcelas vulneráveis da população como inimigos a serem combatidos, ao invés de cidadãos a serem protegidos. No entanto, no contexto de uma democracia, a lógica de guerra é incompatível com as funções de segurança pública, que devem priorizar a preservação da vida e a proteção dos direitos fundamentais.


Não fosse o bastante, a estrutura rígida e hierarquizada da Polícia Militar impede o desenvolvimento de uma cultura de policiamento com prioridade na mediação de conflitos e no respeito aos direitos humanos. Em vez disso, predomina um treinamento voltado ao enfrentamento e ao uso excessivo da força, o que resulta em altos índices de letalidade e em episódios recorrentes de abusos de autoridade. Tais práticas reforçam a desconfiança da população, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, onde a presença da PM é frequentemente associada à violência e à repressão - sobretudo contra pessoas pretas, pobres e periféricas.


Um dos maiores problemas do modelo militar é a falta de mecanismos de controle e transparência. A dificuldade de investigar e punir adequadamente violações de direitos por parte de policiais militares é exacerbada pela estrutura fechada e autorreferente da corporação. Isso impede que cidadãos e instituições civis exerçam efetivo controle sobre as ações da polícia, resultando em um quadro de impunidade que mina a credibilidade do sistema de segurança pública.


Adicionalmente, a utilização da Polícia Militar como força repressiva em protestos e manifestações populares é um sintoma do descompasso entre a sua lógica operacional e os valores democráticos. Quando a Polícia Militar é chamada para intervir em eventos de natureza política, muitas vezes emprega táticas de confronto que desrespeitam o direito constitucional de manifestação, tratando ativistas como inimigos internos a serem contidos.


Nesse sentido, a proposta de desmilitarização não é meramente simbólica, mas representa uma mudança estrutural necessária para que se construa um modelo de segurança pública verdadeiramente comprometido com a promoção da paz social. Ao substituir a Polícia Militar por uma força de caráter civil, mais integrada à comunidade e capacitada para lidar com os desafios cotidianos de segurança pública, o Brasil daria um passo importante na construção de um sistema que não veja o cidadão como ameaça, mas como parceiro na promoção de um ambiente seguro e pacífico.


Em síntese, o fim da Polícia Militar é uma oportunidade para reformar profundamente o sistema de segurança pública, trazendo-o para mais perto dos valores democráticos e garantindo que a proteção de todos os cidadãos seja a prioridade. A criação de uma polícia civil unificada, com treinamento voltado à mediação e à proteção de direitos, é um caminho necessário para diminuir a violência policial, aumentar a confiança pública e transformar o Brasil em um país mais seguro e justo.

Olavo Hamilton

Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Conselheiro Federal da OAB, Professor e Escritor.


O dia das eleições é um momento crucial para a democracia. Nesse período, o respeito às regras eleitorais é fundamental para garantir a transparência e a legitimidade do processo. Porém, é também um momento propício para a ocorrência de crimes e irregularidades que podem comprometer o resultado das urnas. Tanto candidatos quanto eleitores devem estar atentos para evitar práticas ilícitas e assegurar que a vontade popular prevaleça. Este texto aborda os principais crimes e irregularidades eleitorais que podem ser cometidos no dia das eleições e como cada um deve agir para evitar problemas com a Justiça Eleitoral.





Principais Crimes e Irregularidades Eleitorais no Dia das Eleições


  1. Boca de Urna

    A prática de boca de urna consiste em realizar propaganda eleitoral no dia da eleição, seja por meio da distribuição de santinhos, panfletos, uso de alto-falantes ou até mesmo abordagens diretas a eleitores para convencê-los a votar em determinado candidato. É um crime que, além de prejudicar o livre arbítrio do eleitor, pode levar a sanções como multa e detenção para quem for pego em flagrante.


  2. Transporte Ilegal de Eleitores

    Oferecer transporte gratuito ou organizar carreatas para levar eleitores até os locais de votação, com o intuito de influenciar o voto, é um ato ilegal. A prática é proibida para evitar que candidatos utilizem sua estrutura de campanha para favorecer eleitores e, assim, direcionar votos de maneira indevida. Quem for pego nessa prática pode responder criminalmente e enfrentar a cassação do registro de candidatura.


  3. Corrupção Eleitoral

    A corrupção eleitoral é um dos crimes mais graves e ocorre quando se oferece qualquer tipo de vantagem, seja dinheiro, alimentos ou bens materiais, em troca do voto. Do mesmo modo, se o eleitor solicitar vantagens para votar em determinado candidato, ele também estará cometendo um crime. Essa prática fere diretamente o princípio da igualdade no processo eleitoral e pode resultar em prisão e multa.


  4. Uso de Alto-Falantes ou Amplificadores de Som

    No dia das eleições, é proibido o uso de qualquer equipamento de som para promover candidatos. A prática é uma forma de propaganda irregular e configura crime, podendo resultar em multa e apreensão do material.


  5. Violação do Sigilo do Voto

    Um dos pilares da democracia é o sigilo do voto. Forçar um eleitor a revelar sua escolha ou fotografar o momento da votação é uma violação grave. A quebra desse sigilo pode ter consequências penais, como detenção, além de prejudicar a imagem do candidato envolvido.


  6. Coação ou Ameaça ao Eleitor

    Nenhum eleitor deve ser intimidado ou ameaçado para votar ou deixar de votar em um candidato. A coação, seja por violência física, psicológica ou qualquer outro meio, é crime e pode levar à detenção de quem o pratica, além de consequências eleitorais severas para o candidato beneficiado.


  7. Divulgação de Propaganda Falsa (Fake News)

    Divulgar informações inverídicas no dia da eleição para confundir o eleitor pode configurar crime e resultar em multa e até detenção. A prática de fake news é monitorada de perto pelas autoridades eleitorais e nos casos mais graves pode resultar em cassação do registro da candidatura.


Como Candidatos e Eleitores Devem Agir no Dia das Eleições

Evitar problemas com a Justiça Eleitoral no dia do pleito exige atenção e respeito às regras. Veja algumas orientações práticas para candidatos e eleitores:


Para Candidatos:

  • Orientar a equipe: Todos os colaboradores da campanha devem ser informados sobre as proibições no dia das eleições, especialmente sobre a prática de boca de urna, uso de camisetas padronizadas e transporte ilegal de eleitores.

  • Respeitar o silêncio eleitoral: No dia das eleições, é proibido fazer propaganda de qualquer tipo. O candidato e sua equipe devem evitar postagens nas redes sociais, envio de mensagens ou qualquer ação que possa ser interpretada como captação de votos.

  • Fiscalização consciente: Candidatos têm o direito de nomear fiscais para acompanhar o processo de votação e apuração, mas esses fiscais não devem usar roupas padronizadas ou fazer qualquer tipo de manifestação que possa ser interpretada como campanha.


Para Eleitores:

  • Evitar aglomerações com objetivo de promover candidatos: É permitido manifestar apoio a um candidato individualmente, usando adesivos, broches e camisetas. Porém, grupos que se reúnam para promover uma candidatura podem ser interpretados como boca de urna.

  • Não aceitar ofertas de transporte ou vantagens: Se alguém oferecer transporte, alimento ou qualquer benefício para influenciar seu voto, denuncie. Aceitar essas vantagens é crime e pode gerar problemas legais.

  • Respeitar o sigilo do voto: Não leve celular ou câmera para registrar sua escolha na urna. A violação do sigilo do voto é uma infração séria e pode trazer consequências legais.


Denuncie Irregularidades

No dia das eleições, o eleitor também é um fiscal da democracia. Qualquer prática suspeita deve ser denunciada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), ao Ministério Público Eleitoral ou à Polícia Federal. As denúncias podem ser feitas por meio de aplicativos como o “Pardal” ou diretamente nas zonas eleitorais. Assim, todos contribuem para um processo eleitoral mais transparente e justo.


A melhor maneira de garantir que as eleições sejam limpas é seguir as regras e denunciar qualquer irregularidade. Candidatos e eleitores têm responsabilidade compartilhada para assegurar que o resultado expresse a vontade legítima do povo.


Respeitar as normas não é apenas uma obrigação legal, mas um compromisso ético com a democracia. No fim das contas, eleições limpas começam com atitudes corretas.

Olavo Hamilton

Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Conselheiro Federal da OAB, Professor e Escritor.


Amanhecemos com mais uma notícia de violência policial nas redes sociais. Onde? De tão comum, arrisco dizer: aí mesmo, em sua cidade. E não é de se surpreender. Trata-se apenas da polícia, sendo polícia - cumprindo sua função histórica.


Ao longo da história, a polícia desempenhou um papel fundamental na manutenção da ordem social, mas essa "ordem" sempre esteve intimamente ligada à defesa dos interesses das classes dominantes. Mais do que proteger a sociedade de crimes, a polícia historicamente se consolidou como um instrumento para estigmatizar, perseguir e punir os pobres, regulando suas condutas e confinando-os às margens da sociedade. Este texto explora como o surgimento das forças policiais modernas, a partir do século XIX, está profundamente enraizado na necessidade de proteger a propriedade privada e assegurar a estabilidade do sistema capitalista, revelando a função primordial da polícia como guardiã de um status quo que privilegia os interesses econômicos de uma elite.




A emergência das forças policiais modernas coincide com o período de consolidação das cidades industriais e o crescimento acelerado das populações urbanas no século XIX. Com a urbanização, os trabalhadores passaram a se concentrar em bairros superlotados e sem infraestrutura, o que gerou temores de insurreição e agitação social entre as elites. Diante desse cenário, a polícia foi criada não como resposta ao aumento de crimes violentos, mas sim como uma estratégia para supervisionar, vigiar e conter esses segmentos sociais considerados "perigosos". Ou seja, desde o início, a polícia serviu como um mecanismo de controle social mais do que uma instituição para combater a criminalidade propriamente dita.


Além disso, a criminalização de comportamentos comuns entre os pobres, como o vadiagem, a mendicância e a ocupação de espaços públicos, foi uma ferramenta crucial para reforçar a divisão social. A polícia não só reprimia esses atos, mas também atuava na criação de um estigma em torno dos mais pobres, associando a imagem de pobreza à criminalidade e à falta de valor social. Essa construção ideológica sustentava a visão de que a pobreza era uma ameaça à ordem e, portanto, legitimava o uso de violência e coerção para "disciplinar" esses corpos. Ao mesmo tempo, essa retórica mascarava a verdadeira função da polícia: assegurar que a classe trabalhadora se mantivesse submissa e disponível para o mercado de trabalho — por pouco dinheiro, sem questionar o sistema econômico que a explorava.


Nesse contexto, a perseguição sistemática de comunidades vulneráveis revela que a ação policial nunca foi neutra. Grupos como os trabalhadores sem-teto, mulheres, população lgbtqia+, as minorias raciais e os jovens das periferias são alvos preferenciais de abordagens truculentas e políticas repressivas. Esse padrão de conduta não é acidental, parte de uma lógica de contenção social que visa proteger os interesses do capital e impedir que a pobreza se torne visível nas áreas centrais das cidades, onde reside a elite econômica. Em última análise, a polícia atua como uma linha de defesa da propriedade privada e da tranquilidade burguesa, mantendo a desigualdade social sob controle. A medida do rigor do sistema de justiça criminal e da truculência da polícia é a medida da desigualdade presente. Por isso mesmo, quanto mais desigual é a sociedade, mais necessários se fazem os presídios.


Essa é justamente uma das teses mais importantes do filósofo Michel Foucault, de que o crime e a punição desempenham um papel econômico no exercício do poder. Ao regular a criminalidade e selecionar certos tipos de crimes e criminosos para perseguição, o sistema de justiça cria uma classe de "delinquentes" que podem ser utilizados como instrumentos para outras formas de controle social. Esse grupo de "delinquentes" acaba sendo funcional para a manutenção de certas estruturas sociais, econômicas e políticas.


Dessa forma, a análise histórica e crítica da função da polícia demonstra que sua atuação vai muito além de "proteger e servir". Suas raízes estão entrelaçadas com a necessidade de controlar as massas e manter as estruturas de poder econômico intactas. Ao identificar essa dinâmica, é possível questionar os limites e propósitos da polícia na sociedade atual e abrir um debate sobre o papel das instituições de segurança pública em um contexto de crescente desigualdade social e econômica. Afinal, até que ponto a segurança que a polícia diz promover beneficia a população como um todo — ou se restringe a proteger os privilégios de alguns?

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